MOTIVAÇÃO

A busca por um mundo sustentável é o grande desafio das gerações futuras. E a maior dificuldade nesse desafio é o uso de uma energia de viver que não é limpa. Essa energia é responsável pelos resíduos que, do lado de fora, poluem o mundo, da mesma forma que é responsável pela poluição do lado de dentro.

A evidência dessa poluição interna se manifesta no desaparecimento da alegria e no sentido de viver. Tratar da poluição interna é a forma mais localizada possível de agir e impactar o mundo, o tão propagado think global, act local! - pense globalmente, haja localmente.

O QUE É O MATERIALISMO?

Materialismo é o comportamento recorrente e abusivo das coisas, do outro como objeto, da objetivação sem subjetividade, e do ceticismo, na relação com a vida. Essa conduta se alastra em compulsão e termina se manifestando num vício.

Todo vício é difícil de ser percebido por se tratar de um hábito inveterado, entranhado em nosso comportamento. A dependência de condutas recorrentes diminui a autonomia e a capacidade de transformação de um indivíduo. Os indícios de seu impacto são sentidos na inadequação e na destrutividade que produzem.

O materialismo se caracteriza pela busca incessante de:
1) satisfazer desejos físicos (prazeres) e
2) obter possessões materiais (conforto/consumo).

O prazer e o consumo se fazem passar pelos únicos valores virtuosos do viver.
Essa forma de embriaguez em relação à realidade é chamada de materialismo.

O estilo e os valores da vida moderna nos levam a crer que o prazer e o consumo estão associados à felicidade e ao objetivo maior da vida. Não é incomum, porém, que com o passar do tempo, essa atitude nos conduza a carências de sentido e desesperança. Gradativamente reconhecemos que vivemos num círculo vicioso de prazer e frustração, e ansiamos por vivências mais significativas e duradouras.

O vício do materialismo encontra campo fértil no próprio existir, porque duas experiências fundamentais da vida se entranham progressivamente na consciência:
1) os sentidos do corpo e seu bem-estar e
2) a necessidade de bens para a sobrevivência, que ofereçam conforto.

Quanto mais exercitamos o viver encarnados no corpo, mais absolutos nos parecem esses fundamentos. No entanto, as sensações e as carências supridas não são um fim em si mesmo, e sim o meio para preservar a vida.

A reabilitação do materialismo não se trata da renúncia aos prazeres ou ao consumo, mas do resgate de autonomia para gerir esses aspectos da vida em sua condição real, ou seja, como instrumentos e não como objetivos.

Essa ética que alguns tratam por espiritualidade, tem por base a aptidão de auditar e avaliar a si mesmo. Essa aptidão produz a identidade de cada um e desenvolve em nós a consciência da finitude, tão fundamental para estabelecermos prioridades e relevâncias.

Por "identidade" entenda-se a alegria inata de reconhecer-se como um indivíduo, independente e singular. Alegria essa que não se preserva pelo preenchimento de coisas ou prazer, mas pela funcionalidade e utilidade que a identidade nos confere.

Por "finitude", não se entenda como término, onde a palavra "finalidade" tem o significado mórbido de "interrupção", e sim o sentido de "objetivo" ou "uso". Finalidade que permite intuir propósitos manifestos em desejos éticos e espirituais para além dos materiais.

Ninguém pode jamais apontar o materialismo do outro, mas tão somente o seu próprio.
A experiência humana é plural e diversa e a tentativa de reconhecer vícios nos outros denota julgamentos e resquícios morais que afloram, provavelmente, dos próprios vícios de quem julga.

ENERGIAS INTERNAS ALTERNATIVAS

Que fontes alternativas de aspiração e motivação existiriam para além do prazer e do conforto?
Quais seriam, então, os aspectos objetivos da ética ou espiritualidade não materialista que representariam a reabilitação da dependência ao prazer e ao consumo?

São dois os elementos principais que podem resgatar a sobriedade e neutralizar a toxidade da dependência material:
1) a graça e
2) o servir.

Tanto a graça quanto o serviço não tem como sujeito o próprio indivíduo (como no caso do prazer e do conforto/consumo), mas o coletivo seja em seus vínculos com os outros e com a vida.

1) A GRAÇA

É a habilidade de viver a vida como ela é e como ela se apresenta, sem desejar que ela seja diferente do que é. O vínculo com o mundo externo se dá justamente nessa aceitação. O espontâneo e o genuíno ficam preservados quando não estamos tentando manipular ou controlar uma situação. A graça acontece na interação com a vida que nos possibilita constantemente a experiência de sermos graciosos. Daí o sentido popular da expressão "não perder a graça". O prazer, ao contrário, representa a tentativa de garantir e antecipar a possibilidade de bem-estar.

Enquanto o prazer é uma experiência de pico, seguida normalmente de um esvaziamento e do desejo recorrente de planejar a próxima experiência de prazer; a graça é uma experiência sublime que fica após o evento como um bem-estar reverberante. Em geral, o prazer é experimentado como algo que "perde a graça". A graça está relacionada com a surpresa e não com a expectativa ou o controle. Na surpresa entramos vazios e saímos plenos, no controle entramos plenos e saímos vazios. A busca do prazer constante acarreta a perda da gratuidade da vida, apontando para preços e trocas em tudo que diz respeito ao existir. A Materialidade é definida também pela alocação de preço a tudo que diz respeito à vida. A vida, não nos esqueçamos, é feita de gratuidade: o corpo, os alimentos, o ar, a energia ou
qualquer item da natureza é franqueado.

2) O SERVIR

É uma forma de satisfação diferente de conforto e de "se sentir bem". Em vez de "sentir bem", o serviço tem como meta "fazer bem" e "fazer o bem". O serviço se mostra um antídoto à Dependência de ter para si ou de consumir. Em geral, nossa ocupação, nosso trabalho, nada mais é do que um instrumento para saciar o desejo de possessão. Dedicamos a vida a possuir e consumir, como se esse fosse seu grande sentido. O servir, em vez do ganho, possibilita a serventia, a experiência de sermos úteis. O consumo, tal como o prazer, é uma experiência de pico seguida de um esvaziamento. Aquilo que foi adquirido perde rapidamente a capacidade de arrebatar e encantar, e traz um desalento que favorece o desejo de reproduzir o ato de consumir. O serviço, por sua vez, estabelece um valor para seu existir como uma experiência sublime e reverberante. Quanto mais uma pessoa percebe sua serventia no plano coletivo, menos ela tenderá a consumir. O servir é interativo e promove a espontaneidade, convidando a surpresa e a dádiva; enquanto o consumir, manifesto pela possessão e pela cobiça, tem sua origem no controle, gerando frustração e constrangimento.

VÍCIO E ABUSO

A ideia principal de Materialistas Anônimos não é apresentar uma visão moral da vida, apesar de alguns termos e significados terem sido capturados pela moral e pela boa conduta. Prazer e consumo são experiências e trocas legítimas com a vida. O abuso desses meios é o que está em questão.

Estudos sobre a razão psíquica das dependências apontam para o conceito de abuso. O descomedimento no uso de qualquer substância ou comportamento está sempre ligado a alguma experiência de excesso e, portanto, de violência. Qualquer intensidade exacerbada é uma violência e todos já experimentamos constrangimentos por conta de excessos. Excesso de amor ou desamor, de cuidado ou descuidado, de uso ou desuso, de abundância ou escassez, enfim, desequilíbrios que encontram uma maneira de se manifestar em padrões de comportamento. Todo vício é um abuso, que tem raiz numa matriz de abusos. E o seu padrão é similar: abusamos para poder preencher um vazio que não temos como desfazer. Em vez de convivermos com este vazio, precisamos preenchê-lo com o que é "material", de forma abusiva.

Assim como as organizações sobre comportamento adicto e compulsivo se inspiraram na área do conhecimento humano mais afeita a esse assunto, ou seja, a psicanálise e as terapias emocionais, o Materialistas Anônimos vai buscar subsídios na área de conhecimento humano mais específico a seu objeto de interesse particular, ou seja, na sapiência e na espiritualidade das tradições.

Tradições não são sinônimos de prescrições morais, como muitas vezes são as religiões.
Tradições são os ensinamentos das gerações anteriores que experimentaram a vida em todo o seu ciclo e conheceram a realidade em sua plenitude. Como alguém que já leu o livro por inteiro, diferente de quem pretende saber, tendo lido apenas alguns capítulos do mesmo.

As tradições já leram o livro todo, de introdução a epílogo, e o fizeram não apenas uma vez, mas inúmeras vezes na sucessão de gerações. As tradições sabem e representam um recurso importante para contrapor-se a aparente "materialidade" (condição ilusoriamente irrefutável) do materialismo.

Vamos sugerir inicialmente 12 sintomas e 12 passos relacionados à experiência (física e emocional) e, mais adiante, 10 portais e 10 tradições que manifestam a diversidade na abstração (intelectual) e na linguagem (tradições). Essas quatro dimensões representam os quatro universos da existência.

 

1. Físico - Sintomas
2. Emocional - Passos
3. Intelectual - Portais
4. Espiritual - Tradições

 

SINTOMAS

Como ocorre em todo o vício, não é fácil reconhecer que somos viciados. Em vícios associados a substâncias entorpecentes e narcóticas, a própria droga é o objeto concreto do vício. No caso do materialismo, o objeto do vício é mais subjetivo, revelando-se disseminado e dissimulado em várias práticas cotidianas que mascaram sua presença. Razão pela qual se faz necessário o apontamento de 12* sintomas principais que denotam a presença de materialismo no sistema de crença e comportamento de um indivíduo.

PASSOS

Estabelecem 12* práticas e processos para a realização desse trabalho transformador. Essa dimensão reconhece que o vício se instala principalmente no comportamento e na prática do passado, exigindo que o eixo do trabalho também esteja em empreender e executar tarefas que consolidem as emoções e os discernimentos dessa transformação.

CONCEITOS

Apontam 10* conceitos estruturadores e generalistas, que organizam temas de estudo, visando o aprofundamento de questões relevantes para desvencilhar-se do materialismo.
Seu estudo identifica os padrões materialistas e amplia a consciência para a realização de inventários pessoais sobre nossas ações equivocadas e suas possíveis reparações.

TRADIÇÕES

Dizem respeito a 10 diferentes tradições sapienciais que servirão como modelo de conteúdo e pluralidade. Assim como as línguas, apesar de suas peculiaridades e particularidades, oferecem a mesma qualidade de comunicação ao ser humano, as tradições e suas singularidades manifestam igual qualidade na expressão espiritual humana.